ARQUITETURA GASTRONÔMICA: paladar planejado

ARQUITETURA GASTRONÔMICA: paladar planejado

Gastronomia dialoga com Arquitetura? Claro que sim! No mínimo pela óbvia relação do estudo do espaço; afinal de contas é no espaço cozinha que se cozinha. E não é um espaço qualquer; demanda complexo estudo de materiais, iluminação, exaustão, funcionalidade, instalações elétricas cuidadosamente planejadas, tubulações de gás e... ah! não se esqueça de onde guardar as incontáveis tranqueiras de cozinhas e seus maravilhosos e espaçosos aparelhos elétricos. Tudo isso em ambiente agradável, esteticamente bem pensado, em fim, confortável no sentido mais amplo que o conceito possa ter.


Em tempo, meu amigo arquiteto e minha colega de design de interiores: aquela coleção (caríssima) de facas deve ficar à mostra (em nome da ostentação e da praticidade); a dezena de sais do mundo e a sequência de azeites aromatizados e premiados vinagres também. O mesmo devo dizer da particular sessão de temperos vindos da Turquia e da Índia (alguns o cliente nunca vai usar), tudo tem que ficar em exposição e à disposição. O cozinheiro pode até não ser dos melhores mas que vai impressionar, isso vai!


Não é tarefa fácil; portanto não é qualquer cantinho com paredes de hidráulicos (ou imitando os famosos “azulejos”), uma churrasqueira e um forno a lenha que realmente mereçam ser chamados de “espaço gourmet”. Tão em moda nos prédios atuais.


Esta percepção do “espaço” é a relação obvia e imediata entre as duas áreas do conhecimento.


Mas a arquitetura e gastronomia estabelecem parcerias muito mais profundas. A estética visual do prato (a comida) é moldada em princípios de arquitetura, estudos de volumetria e a ocupação e distribuição destes volumes na restrita área da louça. O formato e a cor do prato (o utensílio) são decisivos na apresentação da iguaria. Um prato fundo de louça branca mal escolhida pode levar o cérebro desaprovar a comida antes mesmo da informação do sabor. Outros, finamente decorados, alguns até com assinatura de renomados artistas, podem causar uma aflitiva sensação ao desnudar a arte a cada garfada.


Redondo? Quadrado? Retangular? Irregular? O estudo da forma, tão próximo da arquitetura, também é tema de estudo na gastronomia; não só no formato do utensílio, mas também na opção mais adequada de cada corte que os ingredientes devem apresentar. Um simples quiabo cortado longitudinalmente oferece perspectiva totalmente diversa que as tradicionais rodelinhas. Cozinheiros sabem exatamente as diferenças de resultados quando um ingrediente é cortado em julienne, brunoise, chiffonnnade ou mirepoix.


Em gastronomia é comum utilizarmos termos como “engenharia de cardápio”, “food design”, “lay out de empratamento” e o meu preferido: “arquitetura do sabor”. Este último competentemente discutido em ciclos de palestras pela Chef Flávia Quaresma, uma das mais reconhecidas profissionais da cozinha brasileira.


Arquitetar o sabor é compreender as combinações multidimensionais de gostos e aromas que dão a cada comida individualidade definitiva. Os cinco gostos primários são doce, salgado, ácido, amargo e umami. Cada um deles é essencialmente unidimensional, porque não pode ser copiado pela combinação de outros gostos.


O gosto salgado e o doce são indicadores primários da utilidade de um alimento para o corpo humano; portanto arautos do prazer e da nutrição. O gosto ácido e o amargo são protetores do corpo associados ao que é veneno ou impróprio para consumo. Felizmente, tanto o gosto ácido quanto o amargo prestam magnífica contribuição a apreciadíssimos pratos, nos lembra Glynn Christian, Chef e apresentador de TV na Grã-Bretanha.


O umami, uma incorporação do século XX à família dos gostos, ainda não teve seu perfil de paladar totalmente identificado, mas adianto que está associado à propriedade de ativar a sensibilidade das papilas gustativas e revelador das proteínas. Umami é marca forte presença nos tomates, especialmente os cozidos e na batata. Isso explica a larga aceitação destes ingredientes americanos que só foram apresentados à Europa no início da idade moderna. Entendeu por que bacon e batata combinam tão bem? Descobriu o segredo dos molhos bolonhesa e putanesca?


Arquitetura do sabor é estudar a composição de um prato de forma que ele exploda em sabor na boca, utilizando as mais refinadas sensações que cada sabor combinado pode oferecer. Um alimento bem arquitetado segue um padrão, uma ordem pela qual o gosto surge no seu paladar.


Quando o alimento é salgado o padrão, a ordem de reconhecimento é sal, umami, doce, ácido e amargo. Certamente você já se deliciou com um assado acompanhado de abacaxi grelhado com toque de canela. Os chutneys às carnes são campeões na montagem da trilha do sabor. Quando a comida é doce, a ordem de reconhecimento é doce-ácido- amargo.


Pensou em doce de cidra com queijo minas? Experimente manga madura com raspas frescas da casca de limão taiti; você vai entender a sequência de sabores.


Quer brincar de arquitetura do sabor? Da próxima vez que for a uma sorveteria siga a trilha do sabor e monte suas 3 ou 4 bolas harmonizadas em busca da sequencia certa. Não coloque aquela calda super-doce que destrói as delicadezas do paladar. Teste um toque licor de café e, se você é eclético e busca novas sensações (arquitetadas e coerentes) de sabor, aventure-se na sorveteria uma pitada de flor de sal (leve de casa) na bola mais plena de doçura e em outra oportunidade uma sútil presença de tabasco, você vai se surpreender.


A gastronomia e a arquitetura são dinâmicas, seguem tendências, gostos e comportamentos sociais, são influenciados pela economia e modismos da boca e do espaço.


Desta forma, descongestionar o olhar e o paladar é também objetivo da Pós-graduação em gastronomia e cozinha contemporânea em busca do entendimento da alimentação do nosso dinâmico século.


Percebeu as afinidades entre Arquitetura e Gastronomia? Talvez por isso eu conheça tantos arquitetos que se aventuram na gastronomia e olha... eles cozinham bem!


Texto por: Tibério Alfredo Silva, Docente do Curso de Especialização em Gastronomia e Cozinha Contemporânea da UCAM, Professor de Gastronomia, Especialista em Administração Hoteleira, Especialista em Gestão de Negócios Gastronômicos

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